2 de mar. de 2011

AMAR O TRANSITÓRIO



                                                                                             Zuenir Ventura



Carpe diem é uma expressão latina presente numa ode do poeta Horácio, da Roma Antiga, e que ficou popular no fim dos anos 80 por causa do filme “Sociedade dos poetas mortos”, de Peter Weir, em que funcionava como lema do personagem interpretado por Robin Williams. Quem viu não esquece aquele professor de literatura carismático que subverteu a caretice de uma escola conservadora, exaltando a liberdade e a poesia, e ensinando seus alunos a pensar por si mesmos. Carpe diem significa “aproveite o dia de hoje”, ou seja, desconfie do amanhã, não se preocupe com o futuro, não deixe passar as oportunidades de prazer e gozo que lhe são oferecidas aqui e agora.

Neste texto, o conselho não tem nada a ver com a proximidade do carnaval. Ou pode ter, mas essa não é a intenção. Ele me foi lembrado por um amigo numa conversa em que lamentávamos algumas ameaças à saúde que atingiram pessoas queridas. Em proporções mais dramáticas, era um pouco daquilo que Ronaldo Fenômeno resumiu na sua emocionante despedida. Como as dele, eram derrotas para o corpo. Trapaças que ele apronta na forma de um tombo traiçoeiro ou do defeito de uma peça do nosso mecanismo.

Falávamos de quanto tempo se perde com bobagens que nos aborrecem além da conta, deixando passar momentos preciosos como, por exemplo, uma dessas nossas luminosas manhãs que nenhuma outra cidade consegue produzir com igual esplendor. Desprezamos por piegas as emoções singelas e vivemos à espera das ocasiões especiais, de um estado permanente de felicidade, sonhando com apoteoses e sentindo saudades do passado e até do futuro, sem curtir o presente. Só quando surge a perspectiva da perda é que damos valor a deleites simples ao nosso alcance, como ler um bom livro, ouvir uma boa música, ver Alice sorrir, assistir a “O discurso do rei”, ver o pôr do sol no Arpoador. Foi depois desse papo de exaltação hedonista que meu amigo concluiu que, como o destino nem sempre avisa quando vai aprontar, urge curtir enquanto é tempo – carpe diem. O grande poeta pernambucano Carlos Pena Filho, que morreu aos 31 anos num acidente de carro, em 1960, disse mais ou menos o mesmo num dos mais belos sonetos da língua portuguesa, “A solidão e sua porta”, que termina assim:

     Lembra-te que afinal te resta a vida
     Com tudo que é insolvente e provisório
     E de que ainda tens uma saída
     Entrar no acaso e amar o transitório.
 

Um comentário:

  1. Olá minha cara! Por fim, visitei seu blog que, diga-se de passagem, é muito legal e vc é bem espirituosa!
    Bem, este texto me fez recordar uma de minhas teorias; uns dizem que é loucura, outros dizem que pode fazer sentido mas...o fato é penso por mim.
    " O futuro não existe e nem nunca existirá. O passado também não, é apenas um artifício que usamos para parecermos mais reais. O presente é apenas a força do pensamento"
    Beijo grande

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